APETRECHOS DE GARIMPO
Otávio Cabral
A mulher coberta de só
exilou-se no templo desamparado
Queria rebobinar o tempo
subverter as lembranças
apaziguar-se com as raízes
(conversar com os mortos
é um exercício de solidão
requer uma certa agonia
e uns afazeres de recolhimento)
Uma lágrima anêmica escapou exausta
e espalhou-se alheia pelo rosto ancho
Era uma parte do rito
Também eu (às vezes)
exerço tal cerimônia
Por conveniência
(quando se pretende a dormência)
convém praticar uma outra parte do rito
que se concebe muito mais doída
pois reclama uma chaga no peito
e uns apetrechos de garimpo
É quando se descobre as nascentes
encolhidas na esquina da palavra
e as consumimos até à plenitude do esgotamento
Nesse momento
(como numa comunhão abissal)
ambos os desacompanhados
(o daqui e os de lá)
nos reconstruímos no verso oblíquo
e nos reconciliamos dialeticamente
pelos atalhos da estética nua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário